Por Nanda Dalitz, especial para a Tribuna do Paraná
Como dizia Rita Lee, “mulher é bicho esquisito, todo mês sangra”. Mas muito além do lirismo e da irreverência da musa do rock brasileiro, esse “acontecimento mensal” é sinônimo de reclusão, vergonha e dificuldades para muitas meninas e mulheres por todo o Brasil.
Dados da pesquisa “Pobreza Menstrual no Brasil: Desigualdade e Violações de Direitos”, divulgada em 2021 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), mostram que cerca de 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em casa. Além disso, 4 milhões de meninas no país sofrem com pelo menos uma privação de higiene nas escolas – falta de acesso a absorventes e instalações básicas nas escolas, como banheiros e sabonetes.
Para tentar minimizar esse cenário em Curitiba, a organização não-governamental Elos Invisíveis desenvolveu uma iniciativa para combater a pobreza menstrual nas comunidades da capital paranaense. A ação, realizada desde 2021, prevê a distribuição de produtos de higiene, como absorventes, sabonetes, lenços umedecidos e outros artigos para pessoas que menstruam e residem em comunidades carentes.
A iniciativa é uma parceria entre Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (CEVID), vinculada ao Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), e a Elos Invisíveis. Desde o início do projeto, aproximadamente 5,7 mil mulheres foram atendidas e mais de 26 mil produtos de higiene foram distribuídos.
Viviane Vicentin, fundadora e coordenadora de projetos da ong, afirma que é essencial o engajamento da sociedade para reverter esse quadro no Brasil. Segundo ela, além do desenvolvimento de políticas públicas são necessárias ações coordenadas por órgãos públicos e privados para o enfrentamento da situação de pobreza menstrual e da violência doméstica.
“O objetivo é discutir a pobreza menstrual e destacar a relevância social dessa pauta. Apesar desse tema ainda ser tabu para muita gente, ele não pode ser ignorado porque impacta a vida de milhares de mulheres diariamente, expondo-as a doenças e reforçando as desigualdades sociais”, enfatiza.
Integração
Viviane relata que a ação surgiu após perceber a falta de conexão entre o judiciário e as comunidades. Na época, ela trabalhava como assessora jurídica e propôs o projeto ao Tribunal de Justiça do Paraná como uma maneira de conectar essas duas realidades.
Segundo a fundadora da ong, dentro das comunidades a imagem do Tribunal de Justiça era bem diferente do que os integrantes do órgão imaginavam. Existia um descrédito constante no trabalho desenvolvido pelo TJ. “A ideia era levar o judiciário para dentro dessas localidades, estabelecer uma conversa de igual para igual entre o órgão e os moradores das comunidades”, relembra Viviane.
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Hoje, além do projeto de combate à pobreza menstrual, são desenvolvidas ações de combate à violência doméstica, uma vez que os dois temas estão interligados e a distribuição de itens de higiene serve como um gancho para essas mulheres participarem de palestras e rodas de conversas. “Se a gente chega numa comunidade convidando as pessoas para participar de uma palestra sobre violência doméstica, ninguém vem. Quem sofre a violência não aparece, muito menos quem pratica. Assim nós produzimos eventos e festas para distribuir esses itens. Lá elas são convidadas para palestras de cidadania”, comenta.
Vila Pantanal
Na Vila Pantanal, o trabalho da Elos Invisíveis é determinante na vida de muitas mulheres. A comunidade, localizada no Alto Boqueirão, é uma das regiões mais carentes de Curitiba e abriga centenas de famílias que enfrentam problemas frequentes, como a falta de recursos de infraestrutura, saúde e segurança pública.
Ivonete Oliveira, moradora da comunidade e idealizadora do projeto Casa de Débora – que tem como objetivo auxiliar as mulheres da vila – conta que o trabalho da ong vem ajudando inúmeras pessoas, em especial o público feminino. “Eles trazem absorventes, produtos de higiene e até contraceptivos. Tudo isso acompanhado de palestras para as mulheres entenderem melhor sobre seu corpo e saúde”, explica.
Além da Vila Pantanal, a ong atua em outras 16 comunidades de Curitiba e Região Metropolitana, além de dois municípios do litoral. São desenvolvidos programas de inserção de jovens no mercado de trabalho, combate à fome, combate à violência doméstica e pobreza menstrual, enfrentamento ao abuso e exploração sexual, clubes de leitura e oficinas de fotografia.